Cerca de 60% do nosso corpo é composto por
água. Esse líquido precioso é fundamental para manter o sangue em circulação,
controlar a temperatura e permitir inúmeras reações químicas que ocorrem a todo
instante no organismo. Em dias normais, perdemos aproximadamente 2,5 litros
pela respiração, pela urina, pelo suor e, em menor escala, pelas fezes. Claro
que no verão ou após uma atividade física intensa, a perda pode ser maior.
Felizmente, ninguém precisa fazer cálculo
para descobrir quanto de água deve ingerir por dia. Temos um mecanismo de
controle dos mais sábios para executar essa tarefa: a sede. Por isso, vale a
pena confiar mais nela do que nas pessoas que recomendam a ingestão de pelo
menos dois litros de água todos os dias, mesmo contra a vontade.
"Esse é um dos maiores mitos já
propagados por aí", comenta o clínico geral e nefrologista Paulo Olzon,
professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele afirma que as
pessoas devem confiar na sede da mesma forma que não pensam o tempo todo em
respirar. O mecanismo é tão poderoso que administrar a hidratação de pacientes
em coma, por exemplo, costuma ser um grande desafio para os médicos -- não é só
colocar dois litros de soro na veia e pronto, está tudo certo.
Em um artigo publicado em 2011 no British
Medical Journal, a médica escocesa Margareth McCartney alertou que a
recomendação dos dois litros é "nonsense", já que não há evidências
científicas que apoiem essa ou qualquer outra quantidade. A necessidade de
líquidos varia muito entre as pessoas -- depende de idade, alimentação, clima,
atividade e metabolismo, entre outros fatores.
Pessoas com tendência a ter pedras nos rins
ou infecções urinárias de repetição até podem se beneficiar de um consumo um
pouco maior de água, assim como crianças e idosos, que podem ter uma sensação
de sede diminuída. Pessoas com lesões cerebrais também podem perder essa
capacidade de autorregulação e exigem cuidados específicos quanto à hidratação.
Água demais
Será que há algum problema em tomar uns
copos de suco a mais? Quando o excesso é comedido ou distribuído ao longo do
dia, rins saudáveis são capazes de eliminá-lo pela urina sem maiores
consequências. Entretanto, doentes renais precisam ter um controle rigoroso da
quantidade de líquido ingerida, e até devem evitar certos tipos de frutas.
Agora, anote aí: empanturrar-se de água pode
ser fatal. E há vários relatos desse tipo na literatura médica. Jennifer
Strange, uma norte-americana residente da Califórnia, participou de um concurso
em 2007 para ver quem conseguia ingerir mais água. Depois de tomar seis litros
em um intervalo de apenas três horas, ela sofreu um quadro de intoxicação ao
voltar para casa e acabou morrendo.
Um estudo de 2005, publicado no New England
Journal of Medicine, informou que um a cada seis maratonistas desenvolve a
chamada hiponatremia, quadro de diluição de sangue que ocorre quando a pessoa
ingere mais água do que o corpo consegue administrar. Os sintomas incluem fadiga,
náusea, vômito e confusão mental, podendo chegar a culminar em convulsões e
morte. É que o excesso de água chega ao cérebro e, ao contrário de outras
células, os neurônios não têm a capacidade de se expandir ao receber muito
líquido.
"Já tive paciente que teve convulsão
por seguir conselhos para tomar muita água", avisa o médico. Mas e a
afirmação de que sentir sede já é sinal de que o organismo está desidratado?
"É outro mito", garante Olzon.
Como a vontade aparece?
O centro da sede no cérebro é o hipotálamo,
uma estrutura do tamanho de uma amêndoa que fica na base do cérebro e também
regula o sono e o apetite. Quando está faltando água no corpo, ele envia a
mensagem que traduzimos como vontade de beber água. Claro que o cérebro pode
ser sugestionado, às vezes, e sentimos esse desejo só de ver o solo rachado das
represas do Sistema Cantareira, em São Paulo, assim como temos fome ao sentir o
cheirinho de pão quente dentro de uma padaria.
Outras situações podem fazer a sede vir mais
forte, como, por exemplo, quando há algum sangramento no corpo ou um quadro de
diarreia. Depois de acabar com um pacote de salgadinhos, a vontade também
aumenta. Como esses alimentos são ricos em sódio, o mineral acaba atraindo a
água presente dentro das células por um mecanismo conhecido como osmose.
Outro processo explica a vontade de tomar
água depois de consumir um doce: o excesso de glicose entre as células leva o
hipotálamo a ativar a sede, e um hormônio liberado pelo pâncreas ajuda a
transportar esse açúcar para dentro das células, para que seja metabolizado. Se
a pessoa sofre de diabetes e a orquestração hormonal não ocorre como deveria,
tende a sentir mais sede e urinar mais.
E a ressaca? Paulo Olzon explica que o
álcool inibe a presença de um hormônio que atua como antidiurético no
organismo. A consequência é que a pessoa acaba urinando mais do que bebeu.
"Isso acontece mesmo quando se toma destilados", esclarece o médico,
apesar de associarmos as visitas ao banheiro somente à cerveja. Para aliviar a
desidratação, o hipotálamo envia a mensagem para tomar (bem) mais água no dia
seguinte à bebedeira.
Nessas situações, lembre-se que não vale
tomar um balde de água para prevenir a sede futura. Deixe uma garrafinha por
perto e vá dando goles conforme a vontade aparecer.
FONTE:
- Uol