
Próximo aos festejos dos 54¹ anos de Emancipação Política de Aratuba, no ano de 2011, padre Neri Feitosa lançou seu opúsculo “De Cuhyté (Sesmaria) a Aratuba”. O autor baseou-se principalmente no pequeno Histórico da antiga Escola de 1º. Grau José Joacy Pereira (hoje Escola de Ensino Médio José Joacy Pereira), escrito no ano de 1984 em homenagem a Festa do Centenário da Paróquia São Francisco de Paula. Esse documento segue de perto o Histórico de Aratuba, organizado e datilografado por Maria Izilda Lima Barbosa em 1982. A obra de Neri é a primeira do gênero histórico e de grande importância documental para o município de Aratuba, salvo alguns “senões” historiográficos que analisarei no presente artigo. Seu ineditismo porém, está na publicação dos fatos e não no registro em si, pois boa parte dos fatos paroquiais, já foram em 2000, registrados e interpretados pelo Grupo Corujão, num trabalho científico para fins universitários da Cadeira de Fundamentos da Geografia. Quem ler as duas obras perceberá algumas transcrições idênticas e semelhanças exegéticas, apesar do livro de padre Neri conter informações historicamente descontextualizadas e a pesquisa do “Corujão”² omitir fatos importantes e suscitar alguns problemas históricos, principalmente de cronologia paroquial do catolicismo local.
O autor, a construção e a crítica literária de sua obra
 |
Co-Autor
"De Cuhyté ( Semaria) a Aratuba" |
Apesar de falar em autor, na verdade Neri contou com a colaboração de um
filho de Aratuba, o sr. Raimundo Nonato Pereira Martins, o conhecido “Piloto”, como
co-autor da obra escrita. Raimundo Nonato nasceu em 18/12/1955 e é filho de
Pedro Hugo Pereira Martins e Rita Pereira Martins. É casado com Deusimar Moura
Martins. O Casal tem cinco filhos e oito netos. “Piloto”, como é chamado é um
experiente e veterano funcionário público que já exerceu por muitos anos funções
na Ematerce, Prefeitura e Câmara Municipal. Atualmente é um profissional autônomo.
Porém como o “Piloto” é bastante familiar no município e sua participação
literária é pequena, detendo-se apenas em algumas informações incompletas na
área política, resolvi então concentrar-me no principal autor - Padre Neri
Feitosa. Neri nasceu no dia 04 de abril de 1926, na região dos Inhamuns, na
localidade de Arneiroz, na época, distrito de Tauá. Filho de José Júlio Feitosa
e Bezerra de Menezes. Teve cinco irmãos, todos do sexo masculino. Aos 11 anos
foi enviado para o Crato para ser médico e acabou depois internado no seminário
com o fim de ser padre. Ainda como seminarista em Fortaleza publicou seu
primeiro artigo: A Didaskália Tereziana Sobre o Amor Fraterno. E deste então
tornou-se um prolífico escritor opuscular. Foi ordenado em 03/12/1950 e é padre
há mais de 60 anos. Durante todo esse tempo desenvolveu diversos trabalhos
comunitários e literários e pastoreou várias paróquias como:
Umari-Ce(1950-1951); Missão Velha(1951-1953). Foi professor de Grego e Latim no
seminário do Crato de Janeiro de 1953 a 1960. Posteriormente foi pároco em
Araripe-Ce(1960); Jamacaru-Ce(1960-1973); Itapipoca-Ce(1973);
Mondubim-Fortaleza(1974); Madalena-Ce(1975-1978 e 1980-1982)); Santana do
Cariri(Crato, 1978-1980); e é Vigário Paroquial de Canindé desde 1982.
Tornou-se cidadão honorário de Missão Velha, Juazeiro do Norte, Crato e
Canindé. Fundou o Arquivo da Família Feitosa, com 400 títulos etiquetados,
sendo 51 de sua autoria. Há 29 anos fundou também o Instituto Memória de
Canindé com várias monografias escritas pelo próprio Neri. Tornou-se um grande
defensor da memória, trabalho e reabilitação do controvertido padre Cícero
Romão Batista, escrevendo umas 17 monografias sobre ele o que lhe rendeu uma
medalha de ouro em Juazeiro. Seu opúsculo “De Cuhyté(Sesmaria) a Aratuba”, é um
trabalho de 35 páginas. Apesar do autor chamar nos adendos de livro, tal
classificação não é apropriada para sua obra. Desde a década de 1960 que a
UNESCO para fins de estatística considera um livro “uma publicação impressa,
não periódica que consta de no mínimo 49 páginas, sem contar as capas”. No Dicionário
Houaiss, um livro “para fins de documentação, é uma
publicação não periódica com mais de 48 páginas, além da capa”. Padre Neri
afirma que passou dois meses em Aratuba a serviço da paróquia e percebeu que
por aqui não havia uma produção literária da história do município. Ao
empenhar-se nessa tarefa ele “comeu um pão amargo”, pois conforme disse, as
autoridades lhe receberam com reservas e não concederam as informações
necessárias. Neri entregou uma prova gráfica de sua obra ao prefeito municipal
e esperou ainda quinze dias antes da impressão dos originais e não recebeu
nenhuma resposta do mesmo. Mas após a impressão, Neri informa que as reclamações
apareceram. Em suas próprias palavras: “aí
vieram as reclamações e delas zangadas e deseducadas, porque não botei isso e
aquilo, exatamente isso e aquilo que procurei e me negaram.” Não sei quem
cometeu a falta de educação com padre Neri ou como de fato o episódio se deu,
apenas lamento a burocratização que emperra o acesso aos dados de domínio
público. Sei apenas que no dia 18 de fevereiro de 2011, Neri recebeu um ofício
da Secretária de Educação Básica, a professora Adiléa Farias que solicitava
cordialmente a retificação do texto do item 5, páginas 19, incluindo as escolas
nucleadas do município mencionadas no mesmo comunicado. Mesmo assim tudo indica
que padre Neri não ficou satisfeito, pois nos adendos ele chama esse acréscimo
de “uma página póstuma que me enviaram”,
e acrescenta, “póstuma”, digo, para aceitar o dito popular “Inês
está morta!”. Tal expressão lembra a tragédia camoniana, os Lusíadas, da
pobre Inês de Castro que após morta foi coroada rainha. Neri refere-se ao que
não tem mais jeito, pois sua obra já fora publicada, apesar de num esforço
nobre incluir nos exemplares não vendidos as solicitações governamentais. Mesmo
reconhecendo a importância histórica do escrito de padre Neri para minha terra,
principalmente em tornar público o registro documental da sesmaria da nossa região
e nos adendos disponibilizar o texto que criou a Paróquia de Coité, além de
deixá-lo xerocada em letra manual em algumas repartições do município, o que
mostra seu esforço e empenho, apesar da deselegância das autoridades para com
ele, ainda assim, sua “Inês”(livro) não “morreu”(não ficou historicamente
satisfatório), porque a obra é não tanto uma história do município e, sim, mais
uma história centralizada na paróquia. O texto é meio descontextualizado e
cheio de cortes e às vezes se parece mais com um simples relato do que uma
interpretação acurada dos fatos e acontecimentos locais. Mas claro, não se pode
exigir muito de quem passou apenas dois meses na construção e pesquisa de um
trabalho literário que requer fôlego e tempo. Concordo com Neri que “um livro é como uma casa de morada: tem
sempre o que retocar”. No entanto “De Cuhyté(Sesmaria) a Aratuba”, não
ficou totalmente um registro digno do título que leva porque alguns pecados
historiográficos impediram uma “casa pronta” para se “morar”- uma referência na
pesquisa histórica local para alunos, professores e amantes da história.
 |
Outros escritos de Padre Neri |
Na introdução de “Cuhyté(Sesmaria) a Aratuba”, Neri diz que “não foi difícil resgatar as origens de
Aratuba, porque muita coisa ficou escrita e estudos foram feitos em cima dos
velhos documentos...” Mas a única fonte historiográfica sobre Aratuba
citada por Neri nas referências bibliográficas é o Histórico da Escola de 1º
Grau José Joacy Pereira. E essa apostila foi datilografada para fins de
dramatização de alunos na cidade de Baturité numa homenagem aos festejos do
centenário da paróquia em 1984. É tanto que ela não menciona as fontes dos
dados históricos ali registrados e dramatizados, mas sabe-se que segue outra
apostila de 1982, organizada por Izilda Barbosa. E a obra de Izilda cita o
Álbum do Congresso Eucarístico de 1945, os livros de registro Civil e Casamento
do Cartório de Aratuba e as informações do Sr. Leopoldo Martins, que em 14 de
agosto de 1980 completara 100 anos. Porém embora o trabalho de Izilda seja mais
histórico que didático enquanto o da Escola Joacy seja uma peça dramatizada,
foi esse trabalho que corrigiu o erro de Ary Cunha no Álbum do Congresso de
1945, transcrito por Izilda em 1982 e até hoje repetido em pequenos históricos
do município. No álbum Ari Cunha diz que “Por volta do ano de 1888 chegou aqui o Frei
Casemiro, missionário que iniciou a construção da atual matriz...”(grifo
meu). Mas como pode ser se a igreja celebrou seu
centenário em 1884? A pesquisa da Escola Joacy cita 1869 como data da chegada
de Frei Casemiro o que é confirmado na pesquisa do Corujão em 2000. O primeiro
problema de Neri em termos de pesquisa é que ao mesmo tempo em que ele diz que “muita coisa foi escrita e estudos foram
feitos em cima dos velhos documentos”, de fato não houve a consulta a tais
fontes. Os documentos e estudos disponíveis sobre a historicidade aratubense
são: 01) O Álbum do Congresso Eucarístico da Igreja Católica, 1945; 02) Um
Ensaio do Reino – Documento sobre a experiência comunitária em Aratuba, de Frei
Carlos Merster, na década de 70(?); 03) Histórico de Aratuba de Izilda Barbosa,
1982; 04) Histórico de Aratuba da Escola Joacy, 1984; 05) O Caso de
Aratuba(recursos eleitorais) do advogado Aroldo Mota,1985; 06) Mini-histórico
de Aratuba, 1988 citado em referências bibliográficas, não consegui
localizá-lo; 07) Histórico de Aratuba da Secretaria de Educação, Cultura e
Desporto, 1995; 08) Aratuba Governo de Todos da Prefeitura Municipal, 1998; 09)
Histórico de Aratuba da Biblioteca Pública Municipal, anônimo e sem data; 10) Um
aspecto do espaço urbano de Aratuba: A historicidade da Paróquia São Francisco
de Paula do Grupo Corujão, 2000; e 11) Aratuba, um pouco mais, de Regina Magna
e Gildo Gomes, 2005. Teses e trabalhos
acadêmicos de temas relevantes do município, também deveriam ser consultados,
para uma pesquisa desse porte, exemplos: 01) Em busca da libertação -
Fernandes, uma comunidade eclesial de base, tese de mestrado da professora Nely
de Lima Melo, apresentada na Universidade Federal da Paraíba em 1981; 02)
Memorial do Negro: Cidade de Aratuba, tese de graduação da professora Mayara
Martins de Lima, apresentada a UVA em 2009; 03) O processo de nucleação de
Aratuba no seu início, anos de 97/98, monografia de graduação da professora
Isaura Batista, apresentada a UECE, em 2000; 04) A nucleação da escola pública
– uma experiência de Aratuba, especialização em Gestão de Cidades, de Júlio
César Lima Batista, apresentada a UFC em 2005; e 05) estudos mais independentes
sobre a nucleação em Aratuba da professora Solange Xerez, seja sua tese de
mestrado em 2002, apresentada na Universidade São Marcos em São Paulo ou seu
livro Educação e Cidadania, ampliando os espaços de inclusão, publicado em
2008. Claro que foi um erro Neri omitir as escolas nucleadas de Aratuba,
correção realizada posteriormente. Só que apenas registrar as escolas e cursos
superiores que existem no município não interpreta a realidade educacional que
temos. Prédios e cursos por si só não garantem uma educação de qualidade. É
preciso entender criticamente as políticas públicas educacionais, a formação e
a valorização dos profissionais, a metodologia do acesso ao magistério, e o
relacionamento escola e família, dentre outros.
 |
Autor
"De Cuhyté ( Semaria) a Aratuba
|
Mesmo o estudo de Neri detendo-se mais na Paróquia São Francisco de
Paulo, pois praticamente metade de sua obra destaca o catolicismo romano, ainda
assim não analisou alguns problemas histórico-cronológicos dos padres e seus
paroquiados em Aratuba. Sua lista dos párocos de Aratuba nas páginas 10,11 e 12
não preenche e nem explica as lacunas históricas. Por exemplo, se contarmos os
párocos de Aratuba a partir da lista do Álbum do Congresso de 1945, padre
Claúdio será o de nº 31. Na lista de Neri ele é o de nº 28. Há registro de frei
Cirilo de Bérgamo como pároco de Aratuba por Ari Cunha no Álbum do Congresso e
ele não é citado nem pela Escola Joacy(1984); nem pelo Corujão(2000); nem na
lista do padre Claúdio(2009) e nem mesmo na lista de Neri(2011). Erros nos
documentos da igreja? Mas esse não é o único problema. Os nomes e o paroquiado
de muitos padres também se contrapõem muitas vezes como: Mauro Braga ou Mauro
Brag ou Mauro Braz; Policarpo Cornélio ou Policarpo Cornélius; Plácido Broders
ou Plácido Broderes ou Plácido Brodeos ou Plácedio Brodeses; José Barbosa
Magalhães ou José Barbosa de Magalhães; ou o que é mais complicado, às vezes se
modificam como:
Melquíades Augusto de Souza ou Melquíades Mourão de
Matos; João Batista de Abreu ou João Teixeira de Abreu; Enéas Lemos de Lima ou
Enéas Soares de Lima; Gerardo Plácido Broders ou Geraldo Plácedio Brodeses;
José Francisco de Sousa ou José Teixeira de Souza ou José Terceiro de Souza;
Antônio de Souza Nepomuceno ou Antônio de Oliveira Nepomuceno; e Maximiniano
Pinto da Rocha ou Marximiniano Pêuto da Rocha. E sobre o tempo do paroquiado a
situação também é complicada. Exemplos mais simples temos Pe. Francisco
Rodrigues Monteiro( fim do paroquiado em maio ou abril de 1887); Cônego
Sebastião Augusto de Menezes (fim do paroquiado em agosto ou setembro de 1887);
Pe. Melquíades Augusto de Souza( fim do paroquiado em janeiro ou fevereiro de
1898); e Pe. Macário Bezerra do Vale Arruda (início do paroquiado em junho ou
julho de 1899 e o fim em maio ou abril de 1901). Casos mais complicados são:
Pe. José Francisco de Sousa(paroquiado de 1934 a 1935 ou 1934 a 1938?); Frei
Amadeu Moauman(paroquiado de 1943 a 1943 ou 1943 a 1944); Pe. José Celestino
(paroquiado de 1925 a 1926 ou 1926 a 1928) e Pe. Dionísio Mosca de Carvalho
(paroquiado de 1949 a 1964 ou 1950 a 1964 ou 1950 a 1967). No documento que enviei ao padre Claúdio
Pereira em 07/12/11 apresento a fundamentação do estudo. Ainda aguardo seu
parecer para corrigir quem sabe equívocos que tenha cometido na pesquisa.
Porém, além de Neri não resolver essas questões do catolicismo aratubense, ele
não cita uma sílaba sequer da religiosidade protestante, existente oficialmente
no município desde 1982. Pelo título da obra ela deveria ser uma história do
município, incluindo sua multiplicidade religiosa e não centralizar-se num
relato paroquial. E até mesmo as informações políticas de Aratuba foram vagas e
incompletas. Cita os prefeitos nas páginas 23 e 24 de 1959 a 2004 e os
vereadores somente de 1993 para frente, sem considerar as questões de política pública
e a política partidária, tão marcante no município. E apesar de terminar sua
obra com um “Aratuba Cada Vez Melhor”, slogan da administração de Wolner
Santos, acabou por não citá-lo como prefeito, embora a câmara de vereadores de
sua gestão 2005-2008 foi toda mencionada nome por nome. É, padre Neri, num trocadilho
do provérbio usado por vossa reverendíssima, a Inês de Camões deve ter morrido
afinal, mas a sua “Inês” continua “viva”. Como professor e cidadão aratubense,
meus agradecimentos pelo seu esforço e a preocupação no registro da história de
uma terra que não é a sua e no mais “morreu Maria preá”.
Contatos com o colunista:
________________________________________________________________________
NOTAS
¹54 ou 52 anos. A lei
nº 3.563 de 29 de março de 1957 decretada pela Assembléia Legislativa e
sancionada pelo governador Paulo Sarasate emancipou o município. A
oficialização se deu em 25 de março de 1959, mas a primeira eleição para
prefeito e vereadores aconteceu no ano de 1958, portanto antes mesmo da
oficialização do 25 de março de 1959. Em Aratuba comemora-se pela data de um
ano, 1958, e conta-se a partir de outro ano, 1957. Comuniquei essa incoerência histórica ao
prefeito Júlio César em 29/04/11 e a vereadora Regina Magna em 17/11/11.
²Grupo “Corujão”. Assim
denominado devido os estudos e pesquisas altas horas da noite durante a graduação
da turma da UECE (1999-2002) no município de Aratuba. Um aspecto do espaço
urbano de Aratuba: A historicidade da Paróquia São Francisco de Paula.
Manuscrito de pesquisa científica apresentado na cadeira de Fundamentos da
Geografia, na UECE, no ano 2000 pelos professores (Cilaide Paz, Ednacê Pereira,
Francisco Barbosa, Francisco Barroso, Francisco Martins, Isabel Fernandes e
Regina Magna). Em 2003 identifiquei acidentalmente uma tentativa de plágio
desse trabalho.
BIBLIOGRAFIA
AGOSTINHO, Santo.
Confissões. Editora Martin Claret, 2005.
BARBOSA, Izilda.
Histórico de Aratuba. Trabalho datilografado, 1982
Dados e foto de
Raimundo Nonato Pereira Martins (“Piloto”) cedidas pelo seu filho Edison Moura em
04/01/12
Disponível em
<> http://www.youtube.com/watch?v=pSKAsPMEMgg. Vídeo de Padre Neri
Feitosa no You Tube. Acesso em 05/12/2011
FEITOSA, Neri. Adendo
aos livros Origem de Canindé e De Cuithé(Sesmaria) a Aratuba. Gráfica e Editora
Canindé, 2011
FEITOSA, NONATO. Neri
e Raimundo Pereira Martins. De Cuithé(Sesmaria) a Aratuba. Gráfica e Editora
Canindé, 2011.